Um país municipalista
Desde os tempos dos condes D. Henrique e D. Teresa, o poder condal ou régio viu nas vilas e cidades um elemento crucial para a consolidação e densificação da ocupação do território, processo que se estendeu mais tarde ao povoamento dos arquipélagos atlânticos. A criação de centenas de polos de vida social e económica, dotados de órgãos próprios (a vereação) e de legislação específica (a carta de foral) e com uma vivência institucional intensa, gerou populações com um forte espírito comunitário e com uma ligação directa com o poder central. Por isso, desde as suas origens, Portugal foi um país municipalista e ainda o é hoje, apesar de todas as instâncias intermédias de poder que o estado foi criado desde a Revolução Liberal.
As actas de vereações, mais antigas, relativas aos séculos XIV e XV, mostram que as decisões eram tomadas através de votações, “a uma voz” ou por “as mais vozes”, sinal de que os princípios da democracia se foram entranhando na população comum. Essas mesmas actas mostram igualmente como as comunidades se organizavam, regulavam a vida económica e social, enfrentavam ameaças, como as epidemias ou a guerra, e aplicavam a justiça em primeira instância. O facto de a partir de 1254 os principais concelhos do país participarem nas reuniões das cortes, reforçou a importância dos municípios e gerou teias de solidariedade entre si, até porque em muitas dessas assembleias foram apresentados capítulos do povo, que eram preparados pelos representantes dos concelhos antes da reunião magna. As cortes reuniram frequentemente nos séculos XIV e XV e proporcionaram, por isso, um fórum de comunicabilidade entre os concelhos que consolidou um sentimento colectivo, bem evidente, por exemplo, nos capítulos gerais das cortes de 1498 e de 1499, quando o povo manifestou o seu desagrado pelos sonhos iberistas de D. Manuel I. Nas cidades mais importantes e com populações mais numerosas, o município caiu nas mãos de elites, mas ainda hoje quer as juntas de freguesia como as câmaras municipais têm sessões regulares abertas à população.
O municipalismo resistiu à tentação do regionalismo continental, em 1998, articula-se eficazmente com os governos regionais insulares, e demonstrou uma vez mais a sua importância como estrutura de proximidade durante a crise do covid-19. Por todo o país existem centenas de estruturas (bibliotecas, centros culturais ou museus) camarárias que asseguram uma vida cultural descentralizada. E quando o XIX governo constitucional (2011-2015) tentou reorganizar os municípios acabou por se limitar a reunir freguesias, sem tocar nas fronteiras municipais, sinal do peso que têm junto da população.
Em Portugal na História recorri a uma fotografia da domus municipalis de Bragança para ilustrar esta dimensão essencial da História e da identidade portuguesa. No entanto, não usei a imagem tradicional que mostra o edifício quatrocentista visto de fora, mas antes uma vista do seu interior, com os bancos corridos junto à parede, onde todos os munícipes se sentavam em pé de igualdade.