A herança greco-romana
Confesso que é uma das minhas imagens favoritas. Um cartaz da empresa Ramos Pinto promovendo os seus vinhos do Porto com um retrato de Cupido. É, aliás, muito provavelmente a imagem mais vista de todas as que a Ramos Pinto produziu na sua história centenária, pois uma cópia deste cartaz estava pendurada na parede do quarto de Mónica Geller, uma das personagens da célebre série televisiva Friends, e apareceu em diversos episódios de várias temporadas.
Não foi, contudo, por causa de Friends, que a escolhi. Esta imagem mostra-nos a divindade greco-romana a realizar a sua função de apaixonar os seres humanos, mas desta vez não usa as setas, servindo antes um cálice de vinho do Porto por onde bebem simultaneamente o homem e a mulher que foram atraídos. Vemos, assim, que há cem anos, a empresa entendia que a alusão aos mitos greco-romanos era eficaz para que as pessoas comprassem os seus vinhos – esperava-se, pois, que os potenciais clientes, que incluiria seguramente gente de poucos conhecimentos literários, comungassem de um conhecimento generalizado acerca da mitologia, ao ponto de identificarem Cupido como o provocador do amor, pois esta era a chave de leitura do cartaz – o vinho do Porto como um produto de sedução.
Como explico em “Portugal na História. Uma identidade”, a percepção dos elementos culturais que agregam um povo e dos que o ligam a uma área civilizacional maior (como é o caso), passa pelo trivial – por aquilo que é usado com naturalidade e que faz parte do senso comum. Um cartaz de publicidade ao vinho do Porto pode ser, assim, muito mais do que um simples elemento de propaganda e transforma-se numa evidência da cultura portuguesa como parte da civilização europeia que nunca esqueceu o legado de gregos e romanos.