As montanhas
O ocidente peninsular começou a distinguir-se no contexto geo-político peninsular, quando os povos do Mediterrâneo estenderam o imperialismo à Hispânia. Os cartagineses foram os primeiros a empreender conquistas e foram seguidos pelos romanos. Uns e outros lançaram os seus ataques a partir do Mediterrâneo, na região oriental da Península. Os cartagineses nunca tentaram avançar para ocidente da Meseta e os romanos encontraram aí uma resistência coriácea, que retardou em muitas décadas a submissão da Hispânia à águia romana e que tornou Viriato num herói peninsular, presente na toponímia de inúmeras localidades espanholas (inclusive na região de Valência ou nas Canárias) e com direito a capítulo próprio nas obras que se dedicam ao estudo da evolução do Império Romano.
Esta diferença nítida entre o ocidente montanhoso e a Meseta, levou os Antigos a criarem uma estrada no sentido Norte – Sul que ligava a actual Gijón a Cadiz, correndo ao longo do extremo ocidental das planuras da Meseta. Ainda existe hoje com a denominação antiga de “Via da Prata”, e é a A66 espanhola entre Gijón e Sevilha, com extensão a Cadiz pela A4. Todavia, esta estrada é analisada especialmente no mapa 1 do meu livro, pelo que voltarei a ela numa outra publicação.
Foram as montanhas do ocidente que travaram o progresso dos conquistadores da Antiguidade, e foram essas mesmas montanhas que ajudaram a definir a fronteira defensável que Portugal logrou consolidar a partir de 1297. É verdade que os reis portugueses continuaram a ambicionar aumentar a superfície do reino, o que se revelou impossível; em contrapartida, a linha definida por Alcanizes, quase sempre pontilhada por castelos altaneiros, sobre encostas escarpadas, permaneceu inalterada e incontestada, salvo no caso excepcional de Olivença.
O carácter muito enrugado do território a norte do Tejo, dificultou sempre as ambições hegemónicas castelhanas ou espanholas, pois reduziu substancialmente as linhas viáveis de invasão. Por isso, as grandes batalhas da Guerra da Restauração foram travadas no Alentejo, e por isso a invasão espanhola de 1762 ou a campanha do marechal Soult, em 1809, fracassaram rotundamente sem que se tivessem ferido sequer grandes batalhas. Foi como se as montanhas e os seus habitantes, os “paisanos” na expressão do conde de Lippe, engolissem os invasores. Por isso, José Saramago na sua Viagem a Portugal (1980) refere amiúde as estradas ziguezagueantes que percorreu na fase inicial do seu périplo.
Fortaleza natural, o norte montanhoso e húmido, retalhado por uma miríade de vales, estimulou um povoamento disperso e impediu uma agricultura extensiva, sendo meia parte da dificuldade estrutural do país de desenvolver a agro-pecuária; a outra meia parte desta dificuldade está no Sul, pois os seus horizontes mais amplos e as encostas mais suaves defrontam-se com a baixa pluviosidade.
Em Portugal na História, procurei sempre articular a leitura das fontes e dos estudos com as observações de viagem e com as artes. Por isso, neste caso, para ilustrar a relevância das montanhas na formação de Portugal, escolhi uma obra de um dos pintores que mais admiro, Amadeo de Souza Cardoso. Trata-se de um quadro sem título de 1912, que pertence ao Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. Nascido no concelho de Amarante, e tendo crescido nessa paisagem de horizontes estreitos e de sucessivas linhas de serranias, Amadeo pintou esse seu mundo original diversas vezes. Tive, assim, o privilégio de poder associar o meu livro a um artista de eleição.
[ Veja aqui a Foto 2 - Montanhas - Amadeo de Souza-Cardoso - Centro de Arte Moderna - Gulbenkian ]